quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Emoção toma conta de Roda de Conversa com Arte-educadores

  

A tarde do dia 20 de setembro ficará para sempre na memória dos jovens e adolescentes do CRIA que estiveram presentes à Roda de Conversa: Arte-Educação e Projeto de Vida. O encontro foi realizado na Casa XIV do Teatro XVIII, no Pelourinho, no último dia (20.09) do III Festival de Arte-Educação A Cidade CRIA Cenários de Cidadania, e contou com mediação do professor da Faculdade de Educação da Ufba, Roberto Rabêllo. 

Os ex-integrantes dos grupos artísticos do CRIA e hoje arte-educadores Sergio Bahialista, Nilton Lopes, Antonia Elita Santos, Ronald Alagan e Jedjane Mirtes contaram um pouco das suas histórias com a instituição e como essa experiência foi determinante para suas vidas!

Em um bate-papo descontraído, os convidados descreveram um pouco dessa relação de amor com o CRIA e a contribuição da arte no desenvolvimento de suas vidas, através de seus projetos!

Para o arte-educador do CRIA, Romilson Freire, diretor do espetáculo Prá de tempo, do grupo Chame Gente, é importante ver os jovens ouvindo as pessoas e como essa arte impactou na vida delas. “Ver esses meninos novinhos ouvindo aquele debate e prestando atenção, isso tem um significado para a vivência deles. O jovem daquele momento não é o jovem do hoje. Essa é uma questão que aos poucos tem chegado para gente no CRIA. É uma questão para pensarmos em nos adaptar a esse novo formato, porque a cidade vai mudando, então é importante ver esses meninos parando pra ouvir e eu também estar ali junto com eles na condição de arte-educador”. Ele completa filosofando. “O que aconteceu naquela tarde, ou você vive, ou não tem outra maneira de participar daquilo”.

Conheça um pouco da história de quem é cria do CRIA e hoje está irradiando essa experiência!

Antonia Elita


"Sou Antonia Elita Santos moradora do bairro de Sussuarana. Há 33 anos, comecei minha luta na comunidade quando vim morar aqui, onde não tinha água, energia e transporte. Comecei a participar da associação de moradores logo depois fundamos a Associação de Mulheres de Sussuarana para reivindicarmos melhorias para o bairro. Alguns anos depois, fundamos o centro de pastoral afro Heitor Frisoti, no qual trabalhei como secretária.

Nesse período, foi quando conheci o CRIA através de uma amiga, Maria Joscelia. As filhas dela já participavam mais e ela achava que o CRIA tinha a minha cara e acertou. Foi quando minha filha Danubia se inscreveu e passou na seleção e começou a participar da Tribo do Teatro. Algum tempo depois, teve seleção para um grupo novo do CRIA, Abe be omi. Fiz a seleção, passei e aí começou uma transformação na minha vida pessoal e social.

Foi um aprendizado muito grande, vivi momentos maravilhosos onde nunca pensei que pudesse atuar como atriz dinamizadora com toda essa formação. Mais uma vez com o incentivo do CRIA me inscrevi para ser conselheira tutelar onde fiquei por um período de oito anos que sempre foi e é uma das bandeiras do CRIA atuar em defesa das crianças e adolescentes.

Hoje, trabalho na Fundac como socioeducadora com adolescentes em conflito com a lei. No momento, estou fazendo faculdade de serviço social. Assim, o CRIA para mim é uma referência de vida. Uma vez CRIA, sempre CRIA. É uma instituição que muda o seu jeito de ser, de agir. Eu sempre falo: uma das minhas escolas de vida é o cria. Se for falar o que já fizemos aqui em nosso bairro e fora também junto com o CRIA... me ensinou muito a ser essa mulher forte e batalhadora. Por aí, passou minha filha, muitos jovens e adolescentes daqui da comunidade, minha neta, que hoje são sujeitos de transformação desta sociedade."

Jedjane Mirtes





Atual rainha do bloco afro Malê de Balê e segundo lugar do concurso Deusa do Ébano 2014 do Ilê Aiyê representando o Pelourinho, a arte-educadora, dançarina, coreógrafa e dançarina Jedjane Mirtes entrou no CRIA aos 17. Fez parte, como jovem atriz, dos grupos Tribo do Teatro, CRIA Poesia - este também como diretora -, além de espetáculos coletivos. Foi monitora de dança, depois coreógrafa dos grupos. Pelo CRIA, conheceu outros lugares fora do país, a exemplo da Alemanha e Portugal. Formou-se em técnica em dança pela Escola de Dança da Funceb, em 2001, e em Educação Física, em 2008. Mais tarde, cursou pós-graduação em Arte-Educação nas Faculdades Olga Mettig.



Até o início de 2014, atuava como educadora do projeto Corra pra o Abraço, parceria do CRIA com a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado da Bahia, através do programa Pacto pela Vida. E além do seu reinado no Malê, Jedjane, hoje com 33 anos, atua como arte-educadora nas comunidades de Pernambués e Saramandaia, através do Instituto JCPM de Compromisso Social. E não para por aí. Ela também assina coreografias para a ONG Bumbá - Escola de Formação Artística e a Cia de Dança Jorge Lima e Chagas.

Niltom Lopes
  
Coordenador do núcleo de incidência da CIPÓ - Comunicação Interativa e sócio-fundador do coletivo de assessoria Crioula - Comunicação, Cultura e Mobilização Social.   

Jornalista, formado pela Facom, pós- graduado em artes visuais no Senac e Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais pela UFMG. 
Atualmente, é mestrando no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade. 

No CRIA, fez parte do grupo Com Arte Sem AIDS, de 1999 a 2001. Depois, integrou o grupo Mais de Mil, em 2002 e 2003, e atuou como monitor, assistente e orientador do núcleo de comunicação, de 2003 a 2007.

Ronald Alagan



Entrou no CRIA aos catorze anos e durante cinco, participou dos grupos Mais de Mil, com as montagens Escola falta mais o que? e Quanto custa?, além do grupo Pais e Filhos, com o espetáculo Diálogos. Nesse tempo, desenvolveu na sua comunidade, em Paripe, o primeiro espetáculo, Quem somos nós? que falava da violência e das rixas que existiam na própria comunidade.

Com o grupo Obás de Yoyó, construiu o espetáculo Respeitem os mais velhos, que abordava o direito de brincar, a divindade e o sagrado, não como orixá, mas como pessoa. Realizou algumas feiras comunitárias, como Arte para a comunidade, que reunia dança, música, capoeira, hip hop, tudo feito dentro da própria comunidade. E para dar conta de tanta coisa, surgiu a necessidade de criar um evento, então, criou o Primeiro Encontro Adupé Saudações Nossos Mestres, que teve uma ‘pegada de agradecimento’. “Eu não comecei a arte na minha comunidade. Eu fui impulsionado. O que minha avó fez ensinou ao meu pai, que ensinou a minha irmã, que ensinou a mim. As pessoas da minha comunidade são referência que a gente nomeia de Mestres”.

Para ele, quem entra no CRIA nunca sai, porque a ong utiliza a arte como transformação do cidadão. “A metodologia trabalha o ser humano e trabalha a educação que temos, a que queremos e que precisamos. Eu aprendi a ser educador popular, a ter um dever de reproduzir isso para nossas comunidades. Eu queria ser ator, mas eu sou ator educando-me e educando outro”. E cita experiências que o ajudaram em sua formação: conheceu o barro nos encontros do Ser-tão Brasil e aprendeu a reverenciar a delicadeza disso, foi a Londres onde participou de worskshop no Southbank Center, passou por Madri e Portugal. “Sem o CRIA, eu sozinho seria só um corpo”, afirma. E depois de tudo isso, ainda diz que precisa ingressar na universidade para cursar o bacharelado em direção.

Ronald diz estar se reconstruindo, depois da perda recente da mãe. “Porque a gente precisa de pernas pra andar. Mas, estou tranquilo, por ser cria do CRIA e de ter parido outras crias também”.
  

Sergio Bahialista

"Hoje, sou um homem especial nessa vida graças a esses 11 anos muito bem vividos no CRIA. Feliz por ver esse belo lugar completar 20 anos de existência, de semeação de muitos sonhos e sementes de uma nova humanidade."

Sérgio é Mestre em Educação e Contemporaneidade pelo Programa de Pós Graduação em Educação e Contemporaneidade - PPGEduc - da UNEB. Possui especialização em Psicopedagogia Escolar e Clínica  e graduação em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia. Atualmente é Professor e Coordenador Pedagógico da Faculdade de Tecnologia SENAI CIMATEC - Salvador/BA; pesquisador do PRODESE - Programa Descolonização e Educação CNPQ/UNEB; músico e cordelista. É um dos autores do livro "Descolonização e Educação: diálogos e proposições metodológicas";, organizado pela Prof. Drª Narcimária Correia do Patrocínio Luz.


"Em 1996, o CRIA foi no Colégio Estadual Governador Roberto Santos com o espetáculo Escola falta mais o quê? . Belíssimo! Após o espetáculo, Carla Lopes divulgou a seleção para jovem ator multiplicador para a Tribo do Teatro, que encenava o espetáculo Quem Descobriu o Amor?. Fiz o processo de identificação e fui aprovado.

A partir daí, um divisor de águas na minha vida nunca mais parou de passar. Fiz parte dos grupos de teatro, poesia e equipe profissional do CRIA de 1996 a 2007. Isso mesmo! Foram 11 anos da minha vida CRIAndo e plantando muita arte-educação pela vida, aprendendo a ser mais gente e gerando uma nova Tribo Humana. Fiz parte da Tribo do Teatro, Com Arte Sem Aids, CRIA Poesia, Espetáculo Liberdade da Bahia, além integrar o Núcleo de Produção Cultural e o Núcleo das Artes do CRIA durante esses anos, desde monitor até Orientador Artistico-Pedagógico. Fiz parte do MIAC e da Rede Ser-tão Brasil também. Lindos coletivos e incríveis forças de mobilização social através da arte. E com beleza toda em torno de mim, eu ande. É findo em beleza!"
  

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Poesia reina na terceira noite do festival




Pela primeira vez, o festival promoveu uma aula-espetáculo. A tarefa coube a Elisa Lucinda, atriz, poeta, cantora, escritora, jornalista, professora e compositora capixaba, que veio especialmente a Salvador a convite do CRIA para deleite do público. 
Elisa em aula-show no Sesc Pelourinho 
Isso, na mesma noite em que os jovens e adolescentes do grupo Iyá de Erê subiram ao palco com a montagem “Quem me ensinou a nadar”.

Iyá de Erê em cena com espetáculo Quem me ensinou a nadar
Arany Santana, Coordenadora do CCPI, participa de bate-papo com elenco do Iyá de Erê 
Pesquisadora e historiadora Ana Maria Gonçalves com elenco do Iyá de Erê em bate-papo
Logo depois do bate-papo, que sucedeu a apresentação do espetáculo, os mestres de cerimônia, Fernanda Silva e Evaldo Maurício, arte-educadores do CRIA, declamaram Safena, poema de Elisa, para anunciar o início do tão esperado encontro.

Fernanda Silva e Evaldo Maurício, arte-educadores e mestres de cerimônia 


"Dá licença, dá licença, meu Senhô / Dá licença, dá licença, pra yôyô / Eu sou amante da gostosa Bahia, porém / Pra saber seu segredo / Serei Baiano também”. Foi assim, cantando os versos da canção de João Gilberto que Elisa adentrou o palco do Teatro Sesc Senac Pelourinho.

Elisa Lucinda em aula-show no Sesc Pelourinho 

E entre uma declamação e outra, de poemas autorais e de outros escritores, a aula-show teve seus momentos de ‘prosa’ com o público, com Elisa bem à vontade para declarar seu apreço pelos baianos e também pelo teatro do CRIA, que acabara de conhecer.

“A Bahia é a resistência da cultura brasileira. O trabalho do CRIA é o único trabalho revolucionário do país. Eu não acredito em outra forma de revolucionar o país. Através da arte você pode transformar tudo e o CRIA faz isso”, disse uma Elisa visivelmente surpresa com o que viu.

“Fiquei chocada por tudo, pela qualidade da interpretação, elenco bom, teatro visceral. Todo mundo tem poder, mas quem tem consciência da ancestralidade, tem mais poder. Eu nem falo disso, falo de você ter acesso a sua ancestralidade, compreendendo o lugar de onde você veio e para onde você vai”, completou Elisa.

Iyá de Erê em cena com espetáculo Quem me ensinou a nadar
“Onde tem orfandade, seja do pai ou da mãe, onde não foi dada estrutura para fazer identidade da sua narrativa, a língua mãe faz esse papel.”

“O grande lance da poesia é que ela serve para os outros”, disse Elisa, ao se lembrar de quando a mãe morreu em um acidente de carro. E recitou ‘O breu’, de sua própria autoria. “Esse poema me reconstruiu”.

Para uma plateia diversa, que reuniu artistas, estudantes, professores, enfim, admiradores de vários cantos de Salvador, a artista falou da importância da arte-educação no processo de aprendizado e da importância da elevação da auto-estima para o trabalho do professor nas escolas.

Para ela, falta esse momento na sala de aula, nas escolas particulares, na educação brasileira em geral, e lembrou-se do ataque contra a escola de Realengo, no Rio de Janeiro, quando chamaram vários artistas, inclusive ela, no dia da retomada das atividades após a tragédia. “Os professores são para mim a mola mestra desse país. O professor cuida de todo mundo, mas ninguém cuida do professor”.
Elisa em aula-show no Sesc Pelourinho 

Um dos momentos marcantes foi quando declamou “Uma lembrancinha do tempo”, poema que criou em resposta à pergunta feita repetidas vezes quando, nas entrevistas, lhe pedem para explicar como a poesia surgiu na vida dela. “A poesia formou meu pensamento. Minha mãe me levou aos 11 anos para estudar declamação. A poesia deveria estar na sala de aula, que é interdisciplinar, que pode falar da matemática, da estatística, de tudo. Falava poesia dos outros até os 17. Eu era uma menina que achava que era a menina do poema. Depois, mais tarde, eu percebi que era o pássaro”, e declamou ‘Pássaro Cativo,’ de Olavo Billac.

A mulher, negra, artista, de grandes olhos verdes, voz forte e rouca, admite que o Brasil é um país muito racista e se diz muito preocupada. “Tem gente que chama o cabelo crespo de cabelo ruim. Como isso pode se tornar oficial, o cabelo errado? Parece que essa é a lógica”. E de forma irreverente, começou a tirar objetos de dentro da farta cabeleira ao estilo Black Power: tirou batom, caneta e até uma nota de cinquenta reais de dentro do cabelo!

A aula-espetáculo ultrapassou o palco e um expectador, o agente de saúde Edi Wilson, levantou da plateia e disse um poema sobre cabelo dedicando-o à artista. Apaixonado pela arte, Edi falou da sua admiração pela poeta. “Ela é uma referência para as mulheres negras e a comunidade. É muito gratificante estar aqui hoje”, disse ele. E elogiou o trabalho do CRIA para o desenvolvimento das artes.
Elisa em aula-show no Sesc Pelourinho 
Para a expectadora Gina Carmem Isaías de Souza, a aula foi uma experiência de vida. “Elisa fala coisas tão acertadas e tão pontuais, como o poder da educação e da palavra que transforma e é isso que a gente tem que aprender”, afirmou.

Elisa usou um trecho de mais um de seus poemas para se despedir do público. 

“A vida não tem ensaio, mas tem novas chances. Viva a burilação eterna, a possibilidade”. E encerrou sua participação com a canção ‘Ilê de Luz’, letra de Caetano Veloso composta em homenagem ao bloco afro, Ilê Aiyê.